Obama acaba de dizer que a dívida dos EUA é insustentável. E se China, credora, resolver livrar-se dos papeis?
A dívida norte-americana é insustentável e os Estados Unidos não podem continuar na dependência da China e de outros credores, disse o presidente Barack Obama num dos mais dramáticos pronunciamentos de seu curto governo. Para muitos de seus concidadãos isso pode ser uma novidade. Ele mesmo jamais havia explorado o assunto de forma tão direta numa cerimônia pública. Em algum momento, disse ele, os credores ficarão cansados de bancar as despesas da maior economia do mundo. “Quando isso acontecer, vamos ter de aumentar os juros para conseguir financiamento e isso vai provocar aumento de juros para todo o mundo”, explicou o presidente.
O grave desajuste norte-americano foi apontado por vários economistas há muito tempo, com advertências no mínimo tão sérias quanto aquelas apresentadas por Obama em seu discurso na cidade de Rio Rancho, no Novo México. Stephen Roach, ex-economista-chefe do Morgan Stanley e atual diretor da filial do banco em Hong Kong, chamou a atenção várias vezes para os perigos associados ao desequilíbrio externo dos Estados Unidos. Outros analistas competentes, porém menos conhecidos, também discutiram o tema com insistência, por vários anos, mas tiveram pouca repercussão nos centros de poder, em Washington, especialmente durante o governo do presidente George W. Bush, irresponsável também em sua política fiscal.
O assunto ganhou destaque, na imprensa e nos meios políticos de Washington, quando o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, declarou em março estar preocupado com a qualidade dos papéis norte-americanos. “Temos feito uma quantidade enorme de empréstimos aos Estados Unidos e, obviamente, nos preocupamos com a proteção dos nossos ativos. Sinceramente, estou um pouco apreensivo”, disse o primeiro-ministro. A China detinha em fevereiro títulos norte-americanos avaliados em US$ 744 bilhões. O Japão também é um grande credor dos Estados Unidos, mas os títulos do Tesouro norte-americano estão espalhados entre os ativos de muitos países superavitários.
O que ocorrerá se alguns credores importantes, como os chineses, decidirem livrar-se desses papéis? Esta pergunta foi formulada várias vezes desde o início da década. A resposta é mais ou menos óbvia: os norte-americanos sofrerão um aperto de crédito, o dólar será amplamente depreciado e os Estados Unidos terão de realizar um ajuste econômico muito grave, comparável àqueles enfrentados, em crises de insolvência, pelas economias pobres ou em desenvolvimento. Mas a hipótese de um grave aperto externo jamais foi tratada com muita seriedade em Washington.
Esse aparente desprezo pelo risco foi sempre sustentado numa crença otimista: o mundo nunca deixará de aceitar o dólar como reserva e meio preferencial de pagamento. Como essa crença tem sido até aqui confirmada, os norte-americanos têm conseguido financiar tanto seu déficit fiscal quanto o desajuste de suas contas externas.
Por muitos anos o arranjo foi confortável para a China: os Estados Unidos importam enorme volume de produtos chineses e em troca recebem o financiamento para fechar suas contas.
Mas um desafio novo partiu de Pequim. É preciso, disseram neste ano autoridades chinesas, pensar numa nova moeda de reserva, mais confiável que o dólar. A ideia tornou-se um tema importante para muitos economistas nos últimos meses. Não se sabe qual poderia ser essa moeda. Por enquanto, não se pode pensar no yuan. A China teria de realizar reformas importantes, como a liberação das operações cambiais, antes de poder emitir uma moeda plenamente conversível e utilizável como reserva internacional, observou o economista Nouriel Roubini, da Universidade de Nova York, em artigo publicado sexta-feira no Estado. A hipótese de uma moeda puramente escritural, como os direitos especiais de saque do Fundo Monetário Internacional, é sempre lembrada, mas não é exequível a curto prazo.